sexta-feira, 20 de junho de 2008

FICA sujo?

16/6/2008
por Osmar Pires Martins Júnior*
Na noite da última terça-feira, o governo do estado deu início à décima edição do Festival Internacional do Cinema Ambiental – FICA, na cidade de Goiás, sob coordenação da Agência de Cultura (Agepel). O nome do festival indica seu objetivo: promoção da cultura cinematográfica para a defesa do meio ambiente. Se este não é o objetivo, então, o cinema produzido em Goiás reproduz o discurso dominante de apropriação das questões ecológicas apenas para efeito de marketing, isto é, meio ambiente, só “prá inglês ver”!
Entrementes, no 1º mundo, a questão ecológica avançou, por meio da internalização de políticas ambientais gerais e específicas em quase todas as áreas da atividade humana, com os sistemas de gestão ambiental. Com isso, não há falsa dicotomia entre cultura, economia, política, administração e meio ambiente. Então, os “ingleses”, isto é, os estrangeiros da Europa, dos Estados Unidos, da Austrália, do Japão, participantes do Fica, começaram a perceber que, aqui, a dicotomia é evidente. Como falar do meio ambiente no cinema, se o Cerrado é destruído a olhos vistos? Como falar de cultura ambiental se a Serra Dourada, patrimômio ambiental dos goianos, não tem proteção legal contra as ações degradadoras? Vale a pena realizar um cinema ambiental com forte apelo turístico, massivo, com mega-shows, se, ao final, a cidade de Goiás fica entupida de lixo?
A contradição entre festival, cultura e meio ambiente era flagrante em 2002. O acúmulo de lixo nas ruas vilaboenses chegou ao ápice. O mau-cheiro ao último pêlo sensorial e papila dos paladares desagradáveis. A cidade foi destruída por uma inundação, agravada pelo desmatamento sem controle nas cabeceiras do rio Vermelho. Algo precisava mudar. Depois de quatro edições, as mensagens cinematográficas não alcançaram seu público-alvo? A população vilaboense, destinatária de tudo aquilo que movimentou produtores, agentes culturais, artistas, atores, palestristas e políticos, dentre outros, de vários cantos do país e do mundo, não foi sensibilizada a mudar de atitude, no gesto de educação ambiental mais simples – jogar o copo descartável na lata de lixo? Se não há envolvimento da população local, o que esperar de sua produção cinematográfica e ambiental?
O que esperar de coisas complexas, como o controle do desmantamento do Cerrado e a proibição do carvão nativo para abastecer as usinas siderúrgicas para a fabricação de aço - uma commodity exportada para os países industrializados? O que esperar do governo na decisão de desapropriar milhares de hectares visando proteger a Serra Dourada, um verdadeiro tesouro geológico e paleontológico, testemunho da evolução do ambiente e da cultura do homem do Cerrado? Se as respostas a estas perguntas óbvias forem negativas, então, concordo com o produtor cultural Eládio Teles que, alienado, o Fica é uma grande nave alienígena que pousa anualmente no platô da Serra Dourada e seus fulgurantes tripulantes descem até a Vila Boa para beber, dançar, comer empadão e rodar uns filminhos.
A partir de 2003, a história do Fica registrou uma mudança de paradigma: foi implantado o Parque Estadual Serra Dourada, no Dia Mundial do Meio Ambiente, como parte das solenidades da sua quinta edição e lançado o “Fica Limpo”. No ano seguinte, foi inaugurado o “Centro de Triagem e Reciclagem de Lixo de Goiás” – operado pela cooperativa dos recicladores, que transformou catadores em empreendedores, donos do próprio negócio – e lançado o “Se Liga no Fica”, tudo isso, durante a sexta edição. O projeto “Eco-Vídeo Biblioteca Itinerante” deu continuidade às atividades realizadas durante o festival, junto às comunidades locais, com projeções num circo ambulante, instalado nas praças, nos bairrros, lugarejos e escolas da região do rio Vermelho. O “Se Liga no Fica” promoveu a produção cinematográfica pela própria comunidade que deixou de ser agente passivo. Todos estes projetos, da iniciativa da Agência Ambiental de Goiás, patenteados no Instituto de Marcas e Patentes, foram patrocinados pela iniciativa privada. O projeto “Eco-Vídeo Biblioteca Itinerante” foi premiado nacionalmente no Concurso Público de Experiências Exitosas em Educação Ambiental, do Ministério das Cidades, em 2006.
A quinta edição foi um marco na integração do cinema e do meio ambiente, através dos projetos citados. Um projeto em particular foi assimilado pela prefeitura, o “Fica Limpo”, que limpa a sujeira deixada pelos milhares de turistas durante a semana do festival. Mas, e os outros? A grande dúvida que fica é: com a extinção da Agência Ambiental, qual o futuro do cinema ambiental? Será só cinema, e o lixo voltará, para o deleite dos tripulantes alienígenas que só querem farra? Esperamos que o governo do estado e a Agepel consigam dar respostas à altura para estas questões.

* Osmar Pires Martins Júnior, biólogo, engenheiro agrônomo, mestre em ecologia, professor de cursos de graduação e pós-graduação em IES, é presidente da Academia Goianiense de Letras (2007-09), foi presidente da Agência Ambiental de Goiás (2003-06), perito ambiental do MP (1997-02) e secretário do Meio Ambiente de Goiânia (1993-96).


Fonte: O autor.

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Fundador da ONG MEAM neste município e em outros, desenvolvendo atividades no Rio Paraíba do Sul e Parque Estadual do Desengano.